Re: Regresso dos Hospitais S.A. ao sector público administrativo
Escrito por:
António Baptista ( )
Data: 26 de January de 2005 04:43
A minha opinião conflui com a de "Celso".
Com efeito, o fundamental é explicar à população portuguesa porque é que uma gestão/administração privada dos hospitais tende naturalmente (diria, inevitavelmente mesmo) a oferecer uma prestação de serviços aos utentes do SNS, isto é, à grande maioria dos portugueses (refiro-me sobretudo àquelas pessoas com menores possibilidades económicas e para quem, por isso mesmo, o sector privado é uma não opção) de muito menor qualidade e muito menos satisfatória do que a existente.
Creio que a questão da gestão privada dos hospitais deve ser enquadrada no tema mais vasto que é a progressiva caminhada rumo à privatização (ora mais "tímida", ora mais agressiva) de serviços de valor social inestimável, serviços esses que se destinam a assegurar direitos sociais constitucionalmente assentes.
Que especificidade têm "os privados" (leia-se, as empresas), para que não consigam assegurar esses mesmos direitos sociais básicos, fazendo cumprir ( de forma indirecta) as tarefas (constitucionais) fundamentais do Estado? A intervenção precedente já o indicou claramente: o problema reside em que o objectivo normal (inevitável) de uma empresa numa economia de mercado é fazer o maior lucro possível (i.e., apresentar a maior diferença positiva possível entre "custos" e "receitas", fazendo com que aqueles sejam os mais baixos possíveis e estas as mais elevadas). Ora, como os fins que se prosseguem determinam a acção; o mesmo é dizer, como para atingir um fim se buscam necessariamente os melhores e mais rápidos meios de o fazer, então, os doentes, num hospital, bem como o necessário para responder às suas necessidades são encarados em primeira linha como custos, algo indesejável, algo a evitar. Claro, poderão argumentar: "mas isso não se passa assim, porque nos hospitais privados, como em qualquer empresa, se não se assegurar uma boa qualidade nas prestações oferecidas (um bom atendimento, uma resposta satisfatória aos problemas de quem vem em busca de tratamento) decerto que os clientes "fugirão" do hospital privado, a empresa perderá clientes e, assim, os seus lucros diminuirão, pelo que é racional para os privados a satisfação mínima das necessidades dos seus clientes". Admitindo que isto assim suceda (e não é bem assim) a verdade é que quem recorre aos hospitais públicos são justamente aqueles que não podem recorrer a nenhum outro por incapacidade económica. Se assim é, não têm opção, são uma "procura" que para os privados não existe. E a oferta a que podem aceder para a realização dos seus mais básicos direitos sociais é uma só: o Estado e os seus hospitais públicos. Assim, para um gestor, é absolutamente indiferente, do ponto de vista puramente "económico" (ou seja, do ponto de vista de quem se preocupa em aumentar o lucro) que as pessoas estejam satisfeitas ou não com o serviço, visto que, das duas uma: ou elas, impelidas pela necessidade, continuam a vir por falta de opção, ou, de tão inútil que acham recorrer a um serviço tão mau, desistem de recorrer ao SNS (e assim, na sua esmagadora maioria, desistem de recorrer aos hospitais em geral) e é um custo que se abate nas contas da empresa hospital. De uma forma ou de outra, a empresa fica a ganhar, economicamente falando, com a má prestação de serviços.
Tendo isto em conta, será necessário "chover no molhado" e mostrar o quão dificilmente compatíveis são, por um lado, a lógica da empresa privada e, por outro lado, a lógica que é a da maximização gratuita (ou, como a direita quer, "tendencialmente gratuita") da satisfação das necessidades (no âmbito do direito básico à saúde)? Verdade seja dita, um serviço nacional de saúde está estruturado segundo um princípio comunista: "a cada um segundo as suas necessidades". Se alguém (todo e qualquer cidadão nacional, e eventualmente não cidadãos) surge num hospital do SNS com um qualquer problema de saúde, as suas necessidades devem ser atendidas e realizadas até mais elevado nível possível.
Concordo também com Celso quando diz que convirá certamente evitar desperdícios no SNS, bem como em tudo quanto são serviços do Estado, mas para isso não é necessário a gestão privada dos hospitais...
Aos calorosos defensores desta via progressiva de privatização da saúde, só gostaria de lembrar o que sucedeu com as reformas, em tudo semelhantes às actuais, que a senhora Margaret Thatcher introduziu no Sistema Nacional de Saúde Britânico. As listas de espera que pretensamente acabariam miraculosamente com estas reformas "racionalizantes" aumentaram desde então para cá...e a um ritmo alucinante! O número foi multiplicado por 12, num verdadeiro "anti-milagre" da multiplicação das listas de espera". O sucesso foi tão grande que hoje em dia os cidadãos britânicos atravessam o canal da mancha para serem operados e tratados no sistema nacional de saúde Francês (que manteve uma estrutura bem mais tradicional). O sistema nacional de saúde da Grã-Bretanha é o pior da UE e desceu muito no "ranking" (já que a direita gosta tanto de rankings...) da OCDE. Este dado é particularmente significativo se tivermos em conta que o SNS inglês chegou a ser um dos melhores, senão o melhor do mundo.
Devo dizer que não entendo muito bem a sequência argumentativa de Fernando Penim Redondo.
É verdade que o SNS tem que recorrer com frequência a privados para obter os bens de que necessita (nomeadamente medicamentos) às empresas farmacêuticas. Empresas que, como é óbvio, são empresas capitalistas, organizadas segundo uma lógica capitalista. Não vejo quem negue ou queira "esconder" tal facto. Agora, por um lado, isso não torna o SNS um Sistema organizado segundo princípios capitalistas, isto é, de procura de maximazação de lucro, num ciclo interminável de crescimento, de acumulação (exprimindo-me em termos de teoria económica marxista: D-M-D'). Simplesmente, se hoje em dia o Estado cada vez mais não produz directamente o que quer que seja, a quem PODE o SNS recorrer para obter o que pretende? Ou será que por alguém comprar produtos a empresas ou estados (que são praticamente todos hoje em dia) organizados segundo princípios capitalistas, torna-se, por esse simples facto, em capitalista? Será que é esse o argumento? o argumento do: "ah, compraste e usas um telemóvel e os telemóveis são produzidos em países capitalistas por empresas capitalista...afinal és um capitalista!". Será isso? é que a sê-lo seria muito pobre...que eu saiba ninguém diz que um empresário que compre charutos cubanos é adepto de uma organização socialista da sociedade...
De resto, será que isso (o facto de o SNS se ver obrigado a recorrer tanto aos privados) é bom? É perfeitamente sabido como as empresas farmacêuticas (dou este exemplo, mas outros haverá), atendendo até ao nível de concentração elevadíssimo que se regista nesta área (em que meia dúzia de multanacionais formam um oligopólio monstruoso), conseguem praticar preços elevadíssimos, muito acima do custo de produção (facturando um superlucro de ingentes proporções). Do seu ponto de vista, isto é absolutamente racional e, diga-se de passagem, necessário. Preços mais elevados, são receitas mais elevadas, é mais lucro realizado. Do ponto de vista dos doentes, em particular dos mais pobres, e dos objectivos a que se propõe o SNS, só poder recorrer a estas empresas é péssimo. Será que o PCP tenta esconder isso?
Seria bom nacionalizar essas empresas? Em abstracto não me parece que o PCP tenha qualquer dúvida nesse ponto. A questão é: quem iria nacionalizar neste momento? O momento actual é (ainda) de "refluxo" das ideias e práticas progressistas, de preponderância de dogmas neoliberais e, por isso, a esquerda, a curto prazo, limita-se a tentar que não se percam direitos sociais. O combate de agora é o combate pela não destruição do que ainda se tem. Embora com esperança de que outro s tempos virão, de que a maré há-de virar e nessa altura o programa eleitoral, o programa do curto prazo será de outra audácia. Como diz Lena, uma coisa é o programa eleitoral (que traça a linha de actuação, as batalhas a travar pelo PCP, nos 4 anos, no contexto "reaccionário" em que continuamos e possivelmente continuaremos por mais algum tempo), outra o Programa do Partido propriamente,o aprovado em Congresso, em que se desenham as linhas para lá do "momento imediato". É esse programa do "para lá das tarefas imediatas" e das "pequenas" (porém, válidas e importantes) batalhas do momento que distingue o PCP de outros partidos. E Bem.
Gostaria que Fernando Penim Redondo desenvolvesse (para que eu pudesse entender melhor) o que escreveu na sua intervenção e agora transcrevo:
"Esta lógica omite uma terceira hipótese de tipo Cooperativo; nesse caso os hospitais não seriam nem uma "repartição pública" nem um empresa capitalista mas sim cooperativas de profissionais de saúde. "
Peço desculpa se fui prolixo e/ou entediante demais.