A PROPOSTA DE LEI DA ÁGUA DO GOVERNO E OS ACORDOS DE ÁGUA COM ESPANHA
Escrito por:
Luisa Tovar ( )
Data: 09 de September de 2005 21:52
A Convenção de Albufeira, assinada em 1998 entre Portugal e Espanha sobre os rios partilhados tem um Protocoço adicional que define o regime de caudais, e que, sendo válido por 7 anos, está prestes a ser revisto.
Há uma estrita relação entre a actual proposta de lei da água, a pressa com que pretendem consumá-la e a negociação com Espanha. Designadamente, o regime de concessões que o governo pretende instaurar permite vender água portuguesa a Espanha através das Sociedades Anónimas concessionárias, assim como facilita muito o favorecimento de interesses dos grupos económicos interessados no mercado eléctrico de energia.
Deixo o alerta desta relação, e apelo a que todos MANTENHAM OS OLHOS ABERTOS.
TRANSCREVO ABAIXO UM ARTIGO que fiz recentemente e foi publicado no CADERNO VERMELHO nº13, que foca este problema
-----------------------
A LEI DA ÁGUA
Propaganda
Quando os efeitos da seca constatada durante todo o inverno começaram a exibir a sua gravidade, quando as albufeiras esvaziadas, os prados nus e o gado faminto se tornaram evidentes, a água assumiu protagonismo nos jornais de grande tiragem e ecrãs de televisão.
Informações pontuais e dispersas, designações sonantes de “extrema” e “severa”, números avulsos, subidas e descidas de “pontos percentuais” seguiram títulos espalhafatosos na imprensa, enquanto as quatro cadeias de televisão se desdobraram em entrevistas, debates e mesas redondas com porta-vozes institucionais e opositores cuidadosamente escolhidos para aparentar confronto sem se afastar uma linha da orquestração preparada.
Propaganda destinada a formação de correntes de opinião na imprevisibilidade da catástrofe e na culpabilização de “todos” por igual, desresponsabilizando o mau governo pela vulnerabilidade do país, e promovendo pretextos para retirar o direito à água, eliminar todo o acesso gratuito e impor impostos sobre a utilização doméstica, que penalizam principalmente os de menores rendimentos.
Destinada também a esconder outras coisas.
O ataque mais grave
Oculto pelo espectáculo, o Governo PS avança no mais grave ataque de sempre aos direitos dos portugueses em relação à água. E desse, não passa na comunicação social controlada uma única palavra.
Trata-se da venda do domínio público das águas portuguesas a muito grandes grupos financeiros, principalmente através da afectação do domínio público hídrico, as águas, praias, terrenos e infra-estruturas públicas, às Sociedades Anónimas EDIA SA, EDP SA, Águas de Portugal SA e Administrações Portuárias SA, para posterior alienação dessas sociedades.
Com esse objectivo, o Governo PS, o PSD e o CDS defendem três versões gémeas de “Lei Quadro da Água” na Assembleia da República, pretendendo aprovar essa lei no Plenário em 29 de Setembro corrente.
A proposta do governo espolia os portugueses do domínio público hídrico e de todos os direitos à água. Perdem os direitos de acesso aos rios e ás águas costeiras, assim como todos os direitos à água potável e a qualquer outro direito de uso comum ou privado da água, das praias ou das margens e leitos dos rios.
Considera como “utilizações principais” as captações de água para abastecimento público, para rega de área superior a 50ha ou para produção hidroeléctrica, assim como a utilização de terrenos do domínio público hídrico para edificação de empreendimentos turísticos e similares em regime de concessão, e como “complementares” (ou irrelevantes) todas as outras utilizações e funções da água ...
A aplicação da lei conduz à venda da exclusividade de acesso à água a muito grandes grupos económicos, que passarão a comercializá-lo a todas as outras pessoas e empresas. Tornar-se-iam em monopólios regionais da água, dos rios, das margens e leitos, das praias fluviais e marítimas, das albufeiras, dos portos, cais, barragens, valas, condutas, captações e reservatórios públicos, contratualizados em concessões cuja duração atinge 75 anos.
Essa lei não tem paralelo em nenhum outro país europeu. Violaria a “Directiva Quadro da Água” que lhe serve de pretexto, e também a Constituição Portuguesa. Mas não seria a primeira vez. E, mesmo que mais tarde viesse a ser dada por nula ou revogada, alguns meses de vigência permitiriam ao Governo avançar com concessões e alienações de reversibilidade muito difícil.
E há outro motivo de pressa.
A renegociação do Acordo com Espanha
As relações de Portugal com Espanha no âmbito da água são reguladas por um conjunto de convénios, todos anteriores a 1970, exceptuando o último, a Convenção de Albufeira, negociada em 1998 e aprovada em 1999.
O texto da Convenção de Albufeira é bastante vago, remetendo os compromissos quantitativos para um protocolo adicional que tem vigência de sete anos, devendo brevemente ser renegociado.
Os convénios anteriores tratam predominantemente dos direitos de cada Estado à produção hidroeléctrica dos rios partilhados, tema que tem sido historicamente o centro das relações luso-espanholas sobre a água e “parece” bastante omisso na Convenção de Albufeira. No entanto, é a produção energética o ponto focal da Convenção e do “regime de caudais” estipulado no protocolo.
Não se trata já de uma partilha entre dois Estados, mas da montagem de um mercado ibérico de electricidade, explorado por empresas de direito privado e em cujos interesses comerciais ambos os Governos têm empenho.
Em 1998 a EDP era já uma SA cotada na bolsa e havia fortes interesses de empresas espanholas. Para as transnacionais operadoras a rede eléctrica portuguesa e o monopólio natural associado é um atractivo óbvio, mas a hidroelectricidade tem um peso ainda maior no negócio.
O potencial hidroeléctrico espanhol está praticamente esgotado. As hidroeléctricas são o único “acumulador” de energia técnico-económicamente viável em grande escala; utilizam ”matéria prima” praticamente gratuita; não estão dependentes de combustíveis fósseis nem emitem CO2. Mas a principal vantagem é o arranque muito rápido, mudando em poucos segundos entre a posição de repouso e a produção máxima.
As centrais térmicas, assim como as nucleares, têm uma produção constante no tempo, a resposta a solicitações de ponta na rede é praticamente nula. Assim, para dar resposta sem falhas, têm de produzir em contínuo o valor máximo do pico de solicitação instantânea da rede, excepto ... se as hidroeléctricas cobrirem os picos.
Esta flexibilidade torna as hidroeléctricas cruciais no sistema.
A produção hidroeléctrica é conflituosa com a mobilização de água para outros fins e em toda a Península os caudais afluentes têm vindo a diminuir estatisticamente, por maior intensidade de outros usos a montante, principalmente em Espanha.
Não havendo suporte na legislação nacional em vigor para garantir a afectação dos caudais “convenientes” às centrais da EDP SA, em exclusão de todos os usos na parte portuguesa das bacias, foi utilizada a Convenção para instituir a obrigação de Portugal lançar ao mar 9000 hm3/ano nas fozes do Douro e do Tejo ... o que significa não tocar numa única gota das afluências de Espanha e acrescentar-lhes muito do escoamento gerado em Portugal.
A Convenção assegura assim o “dote” da EDP SA, conseguindo o governo português vender o Douro e o Tejo nas acções da EDP, e o governo espanhol satisfazer os grupos económicos que pretendem explorar o monopólio da electricidade sem incomodar os interesses de sobre-exploração agrícola.
Com a lei da água que o PS, PSD e CDS pretendem aprovar, além das bacias de Tejo e Douro, também as do Cávado, Mondego e Ave, provavelmente Minho e Lima, seriam afectos à EDP SA, não por 7 anos mas por 75.
Quanto ao Guadiana e Sado estão destinados à EDIA SA e a ministra espanhola já transmitiu oficialmente o interesse dos latifundiários andaluzes na água do Alqueva.
Assim, a mercadoria que o governo português apresentaria agora ao capital apadrinhado pelo governo espanhol seria sobejamente engordada face às negociações anteriores.
E de mesa farta, grandes são as migalhas ...
Combate urgente
O projecto de lei da água agora apresentado pelo Governo já esteve prestes a ser viabilizado em início de 2004 com uma autorização legislativa, que o PCP e o PEV conseguiram impedir. Mas está agora na Assembleia da República, apoiado pelas bancadas do PS, PSD e CDS.
Contrapõe-se o projecto do PCP, uma verdadeira Lei da Água que harmoniza a fruição efectiva dos direitos das pessoas com as funções ecológicas da água e a sua importância estratégica na produção de bens e no desenvolvimento económico.
Em silêncio, as férias de verão são usadas para um simulacro de participação, realizando-se no dia 14 de Setembro uma Audição Parlamentar, de acesso público, mediante inscrição prévia. A votação final está marcada para o dia 29.
Ás escondidas, ao som de uma campanha de “sensibilização” que nos acusa a todos de gastar “rios de água” na lavagem dos dentes, PS, PSD e CDS preparam a venda de toda a água em Portugal, fabricando a seca permanente, de duração secular.