O ATAQUE AO DOMÍNIO PÚBLICO
Escrito por:
Luisa Tovar ( )
Data: 09 de September de 2005 20:36
A intenção de venda do actual domínio público hídrico é indisfarçável.
Esta alienação do domínio público é complementada com uma intrusão muito dúbia do Estado na gestão da propriedade patrimonial de particulares, que pode ir à privação total e arbitrária do uso e à imposição de taxas.
O ataque ao domínio público hídrico é um dos principais objectivos do diploma do governo.
A privatização do domínio público hídrico materializa-se de três formas:
a) revoga legislação que enumera as “coisas” incluídas no domínio público, e subtrai várias na nova listagem. Transfere assim subreptIciamente “coisas” do domínio público para a propriedade patrimonial do Estado, ou seja, transforma-as em mercadorias que pode vender ou penhorar.
b) institui que o Governo, por simples despacho ministerial, pode transferir o que entender do domínio público hídrico para a propriedade patrimonial do Estado
c) permite a concessão a privados, por períodos de 75 anos, de toda a exploração comercial, exclusividade de utilização e privação de acesso ou sublocação a terceiros do domínio público hídrico – isto é, de exercício pleno de direitos de proprietário.
O QUE É O DOMÍNIO PÚBLICO HÍDRICO
O sistema de administração da água em Portugal deriva do direito romano e do código napoleónico, como o de França, Holanda, Espanha e muitos outros países.
Este sistema fundamenta-se em três diferentes figuras, que fazem a ligação da administração pública ao direito de propriedade: a “propriedade patrimonial”, o “domínio público” e a “servidão administrativa”.
A “propriedade patrimonial” é a figura mais corrente e que todos conhecem, o seu dono pode usá-la mais ou menos indiscriminadamente, vendê-la ou alugá-la, e a lei protege o dono da deterioração ou utilização não autorizada por outrém. Há “propriedade patrimonial” de particulares e há “propriedade patrimonial” do Estado, que pode ser transaccionada, arrendada, ou livremente utilizada, mediante determinadas regras mas essencialmente como património comerciável gerido pelo Governo ou pela Administração Local a quem pertença.
O “domínio público” compreende “coisas” 1 que são necessárias ao funcionamento comum do País. Pertencem ao Estado, mas uma “propriedade” muito especial, porque implica a obrigação de o administrar, proteger e promover, como “guardião” e não como dono arbitrário: o “domínio público” é imprescritível, intransacionável e impenhorável – uma reserva muito mais ampla que a afirmação “não é uma mercadoria”. É ao domínio público que está associado historicamente o licenciamento, e a essa função do Estado de protecção – os particulares podem usar o domínio público mediante licença, devendo esta assegurar que a utilização não prejudica o objectivo geral e estratégico das “coisas” incluídas no domínio público.
O domínio público hídrico é um caso muito especial de domínio público, porque se refere essencialmente à Natureza, e só acessoriamente, e em função dela, a obras públicas. Diz respeito a utilizações múltiplas e de espécie diferente de um mesmo domínio – navegação, abeberamento, rega, utilização energética, e muitas, muitas mais – que interagem em cadeia e que são afectadas, de forma diferente, umas pelas outras. É suporte de vida, directa e indirectamente e condiciona a “habitabilidade” e fertilidade de todo o território envolvente.
A “servidão administrativa” é uma figura intermédia entre a “propriedade patrimonial” e o domínio público, “coisas” que necessitam de intervenção e acautelamento por razões semelhantes ao domínio público, mas podem ter um grau elevado de utilização privada sem prejudicar o interesse público. Exemplos de servidão administrativa são os caminhos de acesso ao rio através de propriedade privada, assim como as "áreas ameaçadas por cheias", que podem ter excelente utilização agrícola mas onde não se devem autorizar construções que criem obstáculos ao escoamento da cheia