Caro amigo, João Baptista.
Apesar de se ter referido à actividade de uma Câmara Municipal, que por sinal tem uma maioria política PS, a sua análise poderia ser extensível às actividades culturais na generalidade do país. Desde logo, porque a política cultural produzida pelo actual governo PS está indubitavelmente marcada pelo abandono de responsabilidade pública nas políticas culturais, e pela desresponsabilização do estado, pelo estreitamento das zonas de responsabilidade directa da administração central, pela asfixia orçamental, pela elitização e pela privatização e entrega ao mercado de actividades de equipamentos e património.
As verbas postas à disposição da cultura, 0,3% do OE, expressam bem a orientação de cedência ao neoliberalismo em toda a linha.
O PCP defende 6 orientações para a democracia cultural:
1º O acesso generalizado das populações à fruição dos bens e das actividades culturais é o objectivo básico fundamental de qualquer política de democratização cultural. Se ao Estado cabe um papel insubstituível, este objectivo é e deve ser uma preocupação crescente e cada vez mais qualificada do movimento associativo e popular, do movimento sindical e das Autarquias. Enquanto estruturas e orgãos de representação popular, mais próximas dos trabalhadores e das populações, elas têm um papel insubstituível na iniciativa cultural própria e na entreajuda às iniciativas culturais, na reivindicação e no protesto em face das omissões do poder central. Tendo em conta a sua especificidade própria poderão desempenhar um papel na recepção, intermediação e produção populares da cultura. Poderão por exemplo ter um papel na construção de uma rede popular de ensino artístico e de formação de públicos.
2º O apoio das diversas estruturas do Poder Central ao desenvolvimento da criação, produção e difusão culturais, com a rejeição da sua subordinação a critérios mercantilistas e no respeito pela controvérsia e pela pluralidade das opções estéticas. O poder central mantém um papel insubstituível na protecção activa dos direitos culturais à fruição e à criação culturais. Tendo em conta a situação a que se chegou, a falta de continuidade histórica das instituições e estruturas culturais em geral, torna-se imperioso criar uma estrutura governativa que promova de forma sustentada os necessários enlaces do Ministério da Cultura com os ministérios que lidem com outras esferas da cultura, designadamente, a educação e o ensino, a ciência e a investigação científica, a formação profissional, o serviço público de comuicação social. Uma tal estrutura não deve substituir-se aos trabalhadores culturais, nem, como tem sucedido, gerar clientelas dependentes, mas apenas concentrar esforços, coordenar planos, avaliar resultados e eliminar desperdícios provenientes da actual descoordenação.
3º A valorização da função social dos criadores e dos trabalhadores da área cultural e das suas estruturas e a melhoria constante da sua formação e condições de trabalho. A situação dos Jovens Criadores é merecedora de atenções especiais, de modo a combater o que actualmente são ameaças que condicionam a qualidade e a independência do seu trabalho. Sem pôr em causa a flexibilidade das estruturas em que se agrupam, devem eliminar-se os riscos de uma precarização das relações de trabalho que os torne dependentes das entidades que os apoiam. A formação deve procurar acompanhar o aparecimento de novas artes ou práticas artísticas nos territórios de fronteira entre as artes já consagradas, ou devidos justamente a interações entre elas. No reconhecimemnto do seu papel insubstituível e do direito constitucional de todos os trabalhadores, também os trabalhadores da cultura e as suas organizações representativas devem participar na definição das políticas que lhes digam respeito.
4º A defesa, o estudo e a divulgação do património cultural nacional, regional e local, erudito e popular, tradicional ou actual, como forma de salvaguarda da identidade e da independência nacional. É necessário reconhecer que somos fiéis depositários de um legado destinado a outros que virão depois, legado perante o qual temos uma fidelidade activa. Reconhecer que nesse legado e naquilo que nós próprios fizermos vão em parte os traços do nosso rosto e os gestos das nossas mãos, é participarmos activamente no processo histórico da nossa identidade. A identidade nacional não é uma unidade mística, nem a independência nacional tem que ignorar a interdependência entre estados e entre povos; mas sem identidade e não independentes teríamos muito reduzidos os meios de resistência e de defesa de um projecto colectivo transformador e de progresso, num mundo de igualdade entre os indivíduos e entre os diferentes povos.
5º O intercâmbio com os outros povos da Europa e do mundo, a abertura aos grandes valores da cultura da humanidade e a sua apropriação criadora, o combate à colonização cultural e a promoção internacional da cultura e da língua portuguesas, em estreita cooperação com os outros países que a usam. Contra o afunilamento das nossas relações culturais, potenciando a singularidade da nossa História e o facto de a língua portuguesa ter sido adoptada como sua por várias literaturas nacionais, em outros continentes, Portugal pode e deve desempenhar um papel mais activo, rigoroso e sustentado no diálogo das culturas. Esta é aliás uma das respostas possíveis ao domínio quase exclusivo do cinema, das séries de televisão e da música anglo-saxónicas e, em especial, norte-americanas, nos respectivos mercados em Portugal. Não se trata de contestar ou de pretender elidir o contributo da cultura americana para a cultura da humanidade, mas tão só o poder hegemónico asfixiante das indústrias norte-americanas que padronizam hábitos e preferências de consumo, exportam “clandestinamente” os valores que legitimam e naturalizam a sua própria hegemonia, enquanto proscrevem outras maneiras de produzir imagens, sons e narrativas do mundo.
6ª A democratização da cultura, entendida e praticada enquanto factor de emancipação. Este entendimento e esta prática fazem a diferença, são uma das componentes indeclináveis da diferença comunista. Social e individual, a emancipação supõe o enriquecimento das relações colectivas, o equilíbrio entre as relações de pertença, o reconhecimento da singularidade própria e da dignidade de cada um, uma consciência crescente da nossa posição na sociedade e no mundo.